ESCRITOS

domingo, 1 de novembro de 2015

Chopin - do início ao fim

OS OLHOS ainda dizem muito do que os gestos e palavras e frases não dizem. Do clichê fez-se a verdade. E como expressar - em palavras, gestos, frases prontas ou mal aprontadas - a sensação singular de vê-la, com a cabeça meio baixa, meio esguia, com a mochila de flores e o olhar tão vivo quanto o primeiro sorriso de uma criança; sentar-se ao meu lado, meio que como quem não quer nada, meio que como quem quer tudo, olhando-me com olhos de menina apaixonada - toda a mulher apaixonada torna-se, ao menos por um instante, uma menina apaixonada - e prestando atenção em cada sílaba das palavras que digo - como se cada sílaba fosse a última antes da minha morte? Como se cada letra, cada esgar, cada respirada cadenciada ou sem cadência alguma - afinal, você está ao meu lado - fosse a última palavra de um livro que você não quer deixar de ler. Ou o último instante de uma música que você não quer que tenha fim.

Como posso prosear sobre o infinito dos seus olhos sendo que estou preso a minha natureza finita? Como posso prosear - ou poetizar em prosa - a sensação de voltar a ser um garoto [mesmo que a vida, depois de tantos encontros, desencontros e frustrações, tornou-me homem até demais]?; como posso voltar a estabilidade - se é quem dia estável fui - se ouço Chopin e bebo café e água e mais um pouco de café e escrevo e apago e deixo de escrever e não apago o teu olhar - delével nas minhas letras, mas indelével nas minhas ideias.

Poderia escrever sobre política. Ou redigir a primeira crônica para um jornal que jamais irei colaborar. Poderia escrever sobre deixar de escrever. Redigir receitas de bolo ou memórias de infância. Poderia escrever sobre o suicídio - o único problema filosófico que merece atenção -, ou, então, poderia escrever sobre uma resenha de um livro qualquer - que li, reli e não senti.

Mas tudo isso não seria inspirado por Chopin. O seu andar é como as nuances de sua música. Os seus dedos são como os dedos de uma pianista. E o seu olhar é o infinito que as claves, os bemóis, os sustenidos, a pauta, as colcheias e as semifusas tentam - em vão, sempre em vão - imitar.

O seu olhar é a arritmia do meu coração. É o ritmo do meu pulso. É a falta de cadencia na minha escrita. É as nuances apoteóticas da eufonia. É a minha euforia ao te ver passar - e sorrir - para mim.

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