ESCRITOS

domingo, 8 de novembro de 2015

A Poesia Prevalece

O POETA é um fingidor. Minto: eu sou um fingidor. Desde os meus treze, catorze, doze anos dizem que sou poeta. Não o sou. Sou, antes de tudo, um fingidor - finjo não sentir a dor que deveras sinto. Há no sujeito que escreve - falo por mim - uma característica fundamental: a angústia. Toda a mistificação do poeta maldito - aquele que passa noites em claro a escrever coisas sem sentido algum enquanto olha o dia amanhecer pela janela - é, em suma, uma verdade incontestável. São fases: há a bonança. Há a tempestade. Há a angústia. 

A realidade do poeta - poeta que não o sou - é fatalística, teleológica: há sempre um final esperado. O final esperado é sempre o mais pessimista possível: a solidão de um quarto escuro. A música de Chopin emanando de algum lugar - talvez até mesmo da cachimônia, quem sabe - e a verve indestrutível levando ele - o poeta - a escrever sem coesão, coerência ou outra bobagem qualquer. 

A angústia nasce desta teleologia dos acontecimentos. Pense você, caro leitor, pelo menos por um pequeno instante: pense que vai morrer. Pense que uma hora, num momento qualquer, num instante igualmente qualquer, num dia normal, você acordará - talvez sorrindo, talvez chorando, talvez debilitado em uma cadeira, talvez velho, talvez novo - e, neste último dia, apesar de nada ter gosto de despedida, será a sua despedida. Imagine por um instante essa fatalidade incontornável. Não há para onde correr, não há abrigo, não há refúgio - há apenas um caminho incontornável até o pó. Ali todo sonho, toda memória, todos os sorrisos de uma vida e todos os choros irão morrer. Serão lembranças. 

Daí nasce toda a angústia: a certeza de um fim que implica, necessariamente, na escuridão. Se ao nascer diz-se, simbolicamente, que se "dará a luz"; a morte implica, necessariamente, na escuridão. Se a vida implica na esperança, na promessa, a morte implica no desassossego.  

O poeta morre em vida toda vez que se vê na escuridão do seu quarto, entregue à angústia, escrevendo para espantar demônios que não o deixam - que fazem morada no âmago de seus sonhos. Não há divã melhor do que meia-dúzia de versos. 

No entanto, há momentos de luz. Eu - que afirmo, reafirmo e afirmarei milhões de vezes, se necessário - que não sou poeta, nem escritor, nem qualquer coisa, posso dizer com a autoridade de um diletante: há momentos de luz. Os olhares, ao meu ver, são pontos de luz. 

Explico: nem sempre a verve da escrita é causada pela angústia [quase sempre é], mas nem sempre. Há olhares que são atipicamente lindos. Que são imensidões vazias - e ao mesmo tempo cheias de poesia. Olhares que desconcertam, que balanceiam, que tiram o sossego - portanto são o próprio desassossego - ao mesmo tempo que, ironicamente, trazem toda a calmaria possível ao escritor. 

São olhares que tocam na alma. Que implicam na vida, na esperança e na promessa. São vivos: e por isso implicam, necessariamente, na vida. Eu que não sou muito religioso já me peguei, por inúmeras vezes, agradecendo a Deus por um desses olhares. 

Eis a minha visão sobre a vida: há demasiada malícia em todos. Há demasiado escárnio. Há demasiado apego a carne. Não sou hipócrita, nem muito menos moralista. Sou humano, demasiado humano. Todavia, reafirmo: malícia, escárnio, apego as coisas da carne. Tento, contudo, voltar às coisas da alma a todo o tempo: ver além do que os olhos enxergam. Manter vivo o olhar poético para a realidade. 

É preciso olhar uma mulher - ah, as mulheres! - não como carne [não que isso não seja bom], mas antes de tudo, como inspiração para a poesia. É preciso ama-las - afinal são elas, as mulheres, o fator civilizacional de todo o homem - em todos os aspectos possíveis: como tesouro raro que são. Como as únicas capazes de ser para nós um sonho em noite de insônia. Sem idealismos, bobagens ou demasiada servidão: não me entenda mal, caro leitor. Mas com um amor transcendental, poético. 

A música "Teresinha", de Chico Buarque, é,  para mim, emblemática. No meu entendimento, ela especifica muito bem os três tipos de homens que existem: o bonzinho, o cafajeste e o amante de verdade. Devemos, portanto, ser como o terceiro homem da música. Ou, melhor, devemos ser como o homem da música "O Meu Amor", também do Francisco Buarque. O poeta tem o dever moral de ser um bom amante - não somente no sentido carnal do termo [já disse!], mas no sentido transcendental. 

Afinal: a poesia prevalece.

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