ESCRITOS

segunda-feira, 30 de maio de 2016

A verve não-existente


A caneca ao meu lado ainda está morna. O chocolate quente resiste bravamente a criação de nata. No meu celular ela digita. Há tempos - meses, anos? - não nos falávamos. 

Ela mudou. 

Não sei se fisicamente, nunca mais a vi. Talvez em ideia. Eu também mudei - a quanto tempo não escrevo? 

Como personagem dos quadrinhos deprimentes: é assim que eu me vejo. Minha vida passa em preto e branco. São sorrisos falsos. São alegrias tristes. Há anos. 

Lembro-me de como conseguia escrever. A minha verve não é mais a mesma. Tornei-me superficial. Em tempos outros, escrevi loucuras cheias de sentido. Hoje escrevo com uma sensatez vazia. 

Tornei-me decrépito. Não em idade, mas em esperanças. 

Ela - que permanece ali, na telinha do celular - tem uma melancolia que me faz lembrar a mim mesmo. Sou um narcisista da minha própria desgraça. Um contador de vantagem dos fracassos. Um competidor de malogros. 

Tudo o que eu escrevo tornou-se bobagem. Minha complexidade tornou-se simplória. Sou um escritor de diários adolescentes. Um colunista da idiotia. 

Quando voltarei a criar personagens? Quando voltarei a inventar enredos? Quando terminarei aquela história - arquivada, como meus sonhos - que refletia os medos que tenho? 

Eu não sei. Permaneço inerte.