ESCRITOS

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Nós, brasileiros

  O brasileiro não acredita nas instituições do seu país. Eis um fato. Paira entre nós um espírito de descontentamento, misturado com reclamações aqui e acolá que fazem do diálogo uma sopa de lugares comuns. Quem nunca, ao tentar introduzir em uma conversa entre amigos o assunto "política", não se deparou com frases no estilo "ah, isso é roubalheira", "não adianta", "vai ser sempre assim"?

    A priori, a revolta é legítima. A posteriori, ela esconde um dado patológico: ao recorrer aos lugares comuns o indivíduo, antes de tudo, tenta esconder o seu desconhecimento da matéria.  Explico: o fato de alguns dos nossos representantes eleitos usarem o erário público ao seu bel prazer funciona como desculpa para que não acompanhemos a política do nosso país. Ou então para que justifiquemos nossas pequenas corrupções cotidianas.  Afinal, se todos são uns gatunos, que se resolvem eles com suas gatunagens. Nós, brasileiros, temos mais o que fazer.

     Antes de tudo, um equívoco. Política é chato. Política requer tempo. Política não é belo. Não é a redenção. Não nos mostra o fim último de todas as coisas. Antes de tudo, política é necessário. É o ato de conciliar interesses em prol de um convívio minimamente civilizado. Volto na primeira frase: antes de tudo, um equívoco. Acrescento: equívoco não procurar entender política. 

      Caro leitor, este que vos escreve trabalhou durante o período de um ano em um órgão público. Todos os dias conviveu com o descontentamento do brasileiro para com os serviços prestados pelo estado. Os cidadãos entravam em contradição. Ora, com o dedo em riste, bradavam contra nós, "vocês são uns parasitas! funcionários públicos não trabalham!" (vale salientar que o colunista nunca foi funcionário público, no máximo um terceirizado), ora, com o sorriso amarelo, ofereciam alguns dinheiros para receber o seu documento mais rápido. A tentação de dizer que, como sugerem os fatos, a corrupção está impregnada na derme dos tupiniquins é isto: uma tentação. Tentação que devemos resistir. 

      A crença de que tudo aqui funciona através de suborno e  de "jeitinhos" é propagada pelo andar lá de cima. Quando uma presidente da república resolve mudar a lei para que ela não falte com a lei, a mensagem é clara e tem conclusões lógicas automáticas e deletérias: se os mandantes não cumprem aquilo que devem cumprir, quem cumprirá? É como a figura de um pai que diz ao seu filho para que ele não fume tabaco, no entanto nas gavetas do seu escritório há caixas vazias de Marlboro. 

     Diz a sabedoria popular que a educação é dada pelo exemplo. Acrescento: a deseducação também. Aqueles que deveriam ser brasileiros de ilibada reputação são os primeiros a descumprir a lei e isso, como efeito cascata, serve como desculpa para que cidadãos mal intencionados descumpram a mesma. Ou então virem as costas e desacreditem em tudo que seja relacionado à politica. 

    No entanto, insisto, a corrupção cotidiana não é algo que está por completo no nosso sangue. É sim, em sua grande parte, fruto do decaimento e da desmoralização das nossas instituições, que gozam do descrédito acumulado durante anos. E o desinteresse nos trâmites políticos de alguns é, antes de tudo, uma barreira criada para fugir da realidade. Realidade que deve ser modificada.

    Mas nós, brasileiros, temos mais o que fazer.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Aquém da Escrita





HORRORES. Horrores. A humanidade é um horror. Há sempre a vida, e o desenvolvimento da vida, e depois a morte, conclusão: do pó viemos e ao pó tornaremos. Antônio Vieira, o padre, em um dos seus sermões escreveu que o morto é o pó que jaz inerte, caído. E o vivo é o pó que viaja com o vento, livre como uma sinfonia de Chopin. Vai-se o vento e a vida se torna a ausência de vida: a morte. "Dust in the wind, all we are is dust in the wind", diz a canção da banda Kansas. É isso o que somos: poeira ao vento. 

Disseram-me outro dia que sou idealista demais. Que sou romântico demais e que a razão do meu pessimismo é esta: a idealização me impede de viver o real, me aprisiona nos romances e me faz ser uma pessoa entediada. Afinal, a literatura inverossímil é tão atraente, tão irreal, tão fantasiosa que, comparada com a vida, faz esta ser o cúmulo do tédio. Disseram-me que é preciso ser menos platônico, mais metódico. Seguir como sigo é fugir da natureza humana e a natureza humana - seja lá o que isso signifique - é ser tudo o que não sou.  Queriam-me religioso, seguindo verdades incontestáveis e me arrogando de saber o fim último de todas as coisas. Em resposta, sou blasé. Sempre serei blasé. "Tirem-me daqui a metafísica", escreveu o poeta. Prefiro a dúvida à aquietação arrogante dos dogmas. Prefiro a crença na natureza decadente do Homem, essa angústia triste por não saber o sentido de nada - para onde vamos, onde estamos, qual o intuito disso tudo? - à ingenuidade bucólica e utópica de um sorriso. 

Explico: foi seguindo essa linha de não-raciocínio que vivi os momentos mais felizes da minha existência. Paradoxal, mas real. 

Eu não voltei a escrever mesmo escrevendo. O texto, as palavras, as orações e os erros crassos do sujeito que vos escreve é qualquer coisa aquém da escrita. Escrever é saber escrever.