ESCRITOS

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

2016: um ano de despedidas

QUE 2.016 seja um ano de despedidas: renunciar a tudo o que nunca se renunciou. As pessoas. As felicidades. As tristezas. Que o ano não seja um novo ano - as novidades me assustam - mas que seja um ano de misantropia. 

Toda tristeza está em nós. Faz morada no nosso âmago. É parasita de nossos sorrisos. Toda tristeza se externaliza em alguém - o alguém que não nos quer, que não retorna o nosso telefonema, que nos trai antes mesmo de nos ter. 

Por isso, meu vaticínio: que a tristeza permaneça, nesse ano, onde deve estar: dentro de mim. E que apodreça, levando-me à angústia indelével, maculada, solitária, pusilânime. 

Que nesse ano eu possa me despedir de tudo e de todos. Só tenho um desejo: misantropia. E - se possível - um café. Com ares blasé e livros ininteligíveis.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Amar é renunciar

A OBVIEDADE das obviedades: a convivência é apaixonante. Digo isso para o pesar dos que acreditam que o amor - esse mesmo: às vezes meio platônico, às vezes meio malvado - é, assim, meio parecido com uma explosão - acontece de repente e, como um faminto, engole a tudo: inclusive a nossa razão. 

Há quem tenha fé de que o amor é assim, meio que como num conto - daqueles de fadas - onde tudo acontece com um primeiro olhar, uma primeira fala gaguejada, a garganta seca mesmo depois de um copo d'água. Pois bem. Sinto dizer a verdade: não é bem assim. E por outro lado: é exatamente assim.  

Com o tempo - tempus fugit - este que vos escreve [o pobre aspirante a colunista] percebeu algo interessante: nas suas demandas diárias por mulheres - calma, vejam bem!, não me interpretem mal - voltando: nas demandas por mulheres, este que vos escreve percebeu algo extraordinário: a convivência. 

O amor, tal como concebia antes, era algo ideal, algo inatingível. Um milagre. Como se de repente - não mais que de repente - uma anjo fosse aparecer com ele. Obviedade das obviedades: não é bem assim. 

Ele - o amor - é sorrateiro. É como o gatuno que adentra a tua casa de madrugada. É como o sentimento de nostalgia que adentra o seu âmago quando você cruza uma estrada indo para o interior de São Paulo. O amor não é algo que nasce instantaneamente, mas é uma semente que se planta. E se rega. E se colhe. 

Ele começa a existir com a convivência. Com os olhares trocados durante uma conversa. Com o ato de dividir as intempéries da vida. E com a renúncia de tudo o que se é possível renunciar. Amar -às vezes digo, com ares poéticos - é renunciar. 

Amar não é só escolher alguém para viver ao seu lado [duvido da nossa capacidade de fazer boas escolhas], mas é renunciar a todos as outras pessoas por amor a uma só. 

Amar é estar preso por vontade. É sentir-se livre estando, em suma, aprisionado. Lembro-me - muito vagamente, por sinal - das ideias de Rousseau sobre as leis: estas, quando criadas pelo próprio povo, são, em suma, expressão de sua liberdade. 

Dividir o peso e multiplicar os sorrisos. Amar não é um verbo relacionado a grandes explosões, confetes e congêneres; o amor é o próprio silêncio. Eloquente. É suportar por ter conhecimento de uma premissa básica: "suporto, porque sou suportado". 

O amor convive com a simplicidade. É aquele café da manhã diário, meio apático, meio silencioso, onde duas pessoas comem e discutem os afazeres do dia: não há muita explicação para estarem ali a conversar sobre problemas e afazeres, no entanto, elas continuam, e por algum motivo escuso - o amor, sabemos - elas não podem viver sem isso. 

Há quem diga que a renúncia seja um sacrifício. Se amar é renunciar, portanto amar seria, também, um sacrifício. Concordo: sacrifício. Sacro-ofício. Ofício sacro. Ofício sagrado. 

Consagremos o amor.