ESCRITOS

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Aquém da Escrita





HORRORES. Horrores. A humanidade é um horror. Há sempre a vida, e o desenvolvimento da vida, e depois a morte, conclusão: do pó viemos e ao pó tornaremos. Antônio Vieira, o padre, em um dos seus sermões escreveu que o morto é o pó que jaz inerte, caído. E o vivo é o pó que viaja com o vento, livre como uma sinfonia de Chopin. Vai-se o vento e a vida se torna a ausência de vida: a morte. "Dust in the wind, all we are is dust in the wind", diz a canção da banda Kansas. É isso o que somos: poeira ao vento. 

Disseram-me outro dia que sou idealista demais. Que sou romântico demais e que a razão do meu pessimismo é esta: a idealização me impede de viver o real, me aprisiona nos romances e me faz ser uma pessoa entediada. Afinal, a literatura inverossímil é tão atraente, tão irreal, tão fantasiosa que, comparada com a vida, faz esta ser o cúmulo do tédio. Disseram-me que é preciso ser menos platônico, mais metódico. Seguir como sigo é fugir da natureza humana e a natureza humana - seja lá o que isso signifique - é ser tudo o que não sou.  Queriam-me religioso, seguindo verdades incontestáveis e me arrogando de saber o fim último de todas as coisas. Em resposta, sou blasé. Sempre serei blasé. "Tirem-me daqui a metafísica", escreveu o poeta. Prefiro a dúvida à aquietação arrogante dos dogmas. Prefiro a crença na natureza decadente do Homem, essa angústia triste por não saber o sentido de nada - para onde vamos, onde estamos, qual o intuito disso tudo? - à ingenuidade bucólica e utópica de um sorriso. 

Explico: foi seguindo essa linha de não-raciocínio que vivi os momentos mais felizes da minha existência. Paradoxal, mas real. 

Eu não voltei a escrever mesmo escrevendo. O texto, as palavras, as orações e os erros crassos do sujeito que vos escreve é qualquer coisa aquém da escrita. Escrever é saber escrever.