O homem atrás do bigode quase não falava. As palavras há muito não faziam mais sentido. Era daqueles espectros calados que andam pelas ruas sem serem percebidos. Tomava café nas espeluncas, nas esquinas. À noite, depois das aulas, tomava duas cervejas em um bar quase em ruínas antes de ir para sua casa - um sobrado herdado da falecida mãe. Era professor de filosofia e teologia em uma faculdade pública. Na verdade tudo conspirava para o seu destino vazio. Suas feições lembravam Nietzsche. Sua loucura também. Pois é, entre a molecada do bairro ele era conhecido pela miserável alcunha de "Antônio, o louco". Não era pra tanto, era apenas um sujeito calado, solteiro, solitário.
Não era velho. No máximo trinta e três anos. Ainda estava em idade de casar, constituir família. Era dono de uma voz muda, grave, mansa. As mulheres do bairro pouco o notavam, apenas um "bom dia" aqui, uma "boa noite" acolá. Nada demais. Ninguém sabia o que ele fazia em sua casa depois que chegava da aula, sabiam apenas que ele sempre fora daquele jeito. - A mãe dele era mulher culta - dizia a velha que morava na esquina - colocou o menino na aula de piano logo aos três anos de idade, ainda me lembro! Pobre Carmen, o marido lhe deixou tão cedo! - completava a anciã. Ninguém, de fato, ligava para aquele homem. Também, nunca o viram com nenhuma mulher. Algumas pessoas até faziam chacota disso. Em dias festivos, como o natal, escutavam ele tocar seu piano, solitário.
Dentro do velho sobrado o homem atrás do bigode chorava. O piano escuro lembrava à sua falecida mãe. Olhou para a sua biblioteca, vazio. Vazio de existência. Entre exemplares de Platão e Foucault pegou uma pequena agenda já desgastada pelo tempo. Abriu. Dentro, a foto de uma jovem. Ruiva, o olhar provocante, como se o chamasse. Do lado da foto, na outra folha, um pequeno recado. "Te amo meu poeta e sempre te amarei. Do seu eterno anjo adorado: Geni ", do lado das letras redondas havia uma pequena fita de durex prendendo um fio de cabelo ruivo. Uma lágrima rolou dos olhos do homem atrás do bigode. Seu único amor. O amor que havia o largado. O que é um poeta senão um homem abandonado escrevendo para encontrar, pelo menos em sua poesia e loucura, a mulher amada? O que é um filosofo senão um poeta? O que é um poeta senão um filosofo?
Beijou a foto, abraçou, caiu aos prantos. Era essa a sua rotina desde o dia que ela resolvera ir, dez anos atrás. Dia após dia. Ele foi se acalmando, o choro se transformando em acalanto, a boca secando. Dormiu. Sonhou. No sonho, ela, objeto de todo sofrimento dele. Objeto do amor supérfluo que de tão supérfluo às vezes transformava-se em ódio. No sonho ela vinha provocante, sedutora, judiando do pobre desgraçado. Ele angustiado e sufocado pela noite pensou: "Deus, nem em meus sonhos eu tenho paz?"
Dez anos depois o homem atrás de bigode faleceu. A rua pareceu mais triste, principalmente em dias festivos como o natal, pois o piano não tocava mais. No seu velório, quase ninguém. Porém, entre algumas tias velhas e professores da faculdade, havia uma mulher jovem, de cabelo ruivo, óculos escuros. Ninguém sabia quem era. Dias após o velório, algumas tias velhas comentaram que ouviram essa mesma jovem sussurrar baixinho para si mesma: "- A escuridão sempre o adorou".
Dez anos depois o homem atrás de bigode faleceu. A rua pareceu mais triste, principalmente em dias festivos como o natal, pois o piano não tocava mais. No seu velório, quase ninguém. Porém, entre algumas tias velhas e professores da faculdade, havia uma mulher jovem, de cabelo ruivo, óculos escuros. Ninguém sabia quem era. Dias após o velório, algumas tias velhas comentaram que ouviram essa mesma jovem sussurrar baixinho para si mesma: "- A escuridão sempre o adorou".