ESCRITOS

domingo, 12 de maio de 2013

Pra lá de blasé







Andando por ai eu tentava me encontrar. Fora de sintonia comigo mesmo. As ruas estavam um tanto escuras, porém era dia. Meus passos eram vagarosos, compassados, pareciam entoar notas tristes, pequenas nuances do meu estado de espírito. Tudo era tão gélido, tão frio, tão seco, tão imutável. Meus olhos naquele instante eram decrépitos, sem vida, sem olhar. Minha visão era alheia, blasé a tudo o que me rodeava. Caminhei em direção ao café mais próximo. O tédio – essa doença que me corrói por dentro, que mata minhas vísceras carcomidas com o mais puro veneno da humanidade, essa cicuta que me tira da existência, a existência que, mesmo contra a minha vontade, insiste que eu viva -, o tédio me corroía por dentro. A vida não fazia sentido. Lembro-me, agora, do meu quarto escuro nos mês de Agosto. Eu sempre tive essas manias estranhas, essa sina de solidão. Trancava-me no quarto, envolto em um mundo de trevas, ouvindo Chopin. Ora pensava estar chorando, ora pensava estar dormindo. O sono se confundia com o choro que se confundia com as dores – do corpo e da alma – que me atormentavam naquelas horas – ou seriam dias? Minhas reminiscências me acompanham como pequenas cicatrizes. Peço o café para a atendente – uma mulher com o olhar malicioso e fútil – que me dá o troco com desprezo. Sento numa mesa, sozinho, sempre com o olhar fixo no chão.
“Assim como o poeta só é grande se sofrer” , já diria o poeta. Eu era triste, porém não era poeta. Olho ao meu redor e há apenas mais um senhor no café. Ele lê o jornal com os olhos cansados, talvez experientes. Começo a cogitar sobre sua vida, sua juventude, suas tristezas. E se ele tivesse servido em uma guerra? Amado imensamente uma mulher? Casado com uma prostituta? Se formado em botânica? Visto sua própria mãe morrer? Ele me encara por instantes, percebo que no meu devaneio também o encarava. Desvio o olhar, foco no meu café que borbulha. Tomo um gole amargo, estranho, quente. Amargo como a vida e negro como “Marcha Fúnebre” de Chopin. Olho para fora, as pessoas estão bem agasalhadas, suponho que a sensação térmica seja de 10 graus. O frio maior é o frio da alma. Me distraio por segundos pensando em como o frio é inspirador. Tomo mais um gole de café, olho mais uma vez para o senhor que devora o jornal. Levanto-me e vou em direção a saída. Na rua o frio me acolhe, sinto uma dor estranha oriunda de uma frente fria. Dói até nos ossos. Começo a andar com meus passos compassados, olho para o céu e uma frase invade a minha cabeça sem o meu concedimento: “O pior frio é o frio da alma”. 

M&M 


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